1.
Segundo Boécio, todo prólogo deve
preparar o ouvinte captando a benevolência, despertando a atenção, produzindo a
docilidade, ou todos juntos. Segundo Abelardo, Porfírio capta a docilidade do
leitor ao apresentar os cinco nomes e desperta a sua atenção ao mencionar a
quádrupla utilidade da matéria.
2.
Questões avançadas sobre o assunto,
mencionadas por Porfírio, para que o leitor não as negligencie, embora não sejam
tratadas, em razão da inexperiência do leitor.
a) Se
os gêneros e as espécies têm verdadeiro ser, ou se são apenas opiniões.
b) Se
têm ser, se este é corpóreo ou incorpóreo.
c) Se
é incorpóreo, se separados dos sensíveis ou colocados neles.
3.
Problema posto por Abelardo, a partir do
Isagoge: distinguir as propriedades dos universais das dos singulares e
responder se elas cabem apenas às palavras ou também às coisas.
a) Distinguir
a propriedade do universal da do singular.
Aristóteles
disse que universal é aquilo que é naturalmente apto para ser predicado de
muitos. Porfírio disse que singular é aquilo que se predica de um só. Tanto
para um autor quanto para o outro, o vocábulo “aquilo” das mencionadas
definições se referem às palavras e às coisas.
Abelardo,
todavia, discorda deles.
a.1)
Sobre a aplicação do universal e do singular às coisas.
Apesar
de discordar, expõe duas opiniões utilizadas pelos autores que defendem a
aplicação do universal às coisas.
Pela
primeira opinião, dizem que universal é uma substância essencialmente una, estando,
entretanto, em coisas que se diferenciam umas das outras pelas formas. Segundo
eles, universal é a essência material das coisas singulares. Essa essência,
apesar de ser una, está ao mesmo tempo em todas as coisas singulares subordinadas
e a singularidade de cada uma delas é adquirida pela forma; é também
incorpórea, porque sem a forma não permanece de maneira nenhuma atual.
Pela
segunda opinião, dizem que as coisas singulares se distinguem pela forma e pela
matéria e são, portanto, pessoalmente distintas nas suas essências, mas
conservam o universal naquilo que tem de indiferente e no acordo da semelhança
que mantêm entre si. Assim, chamam de universal, segundo o caráter comum,
aquelas mesmas coisas que chamam de singulares, segundo a distinção.
Abelardo
refuta estas duas opiniões argumentando o seguinte: a primeira opinião se opõe
à física, pois não há coisa alguma na qual as coisas singulares se reúnem; e a
segunda opinião é indevida porque se os singulares se diferenciam segundo suas
definições, não podem ser naturalmente universais.
Assim,
para Abelardo, apenas o singular se aplica às coisas.
a.2)
Sobre a aplicação do universal e do singular às palavras.
Os
vocábulos simples podem ser universais e singulares. O universal é aquele que é
predicado de muitos, tomados um a um. O singular é aquele que é predicado de um
único.
A
expressão “aquele que” da definição do universal indica não só a simplicidade
do vocábulo, mas também sua univorsidade, pois os vocábulos equívocos possuem
vários significados. “Ser predicado”, por sua vez, significa poder ser ligado a
algo em virtude da enunciação do verbo substantivo no presente “é” contido em
todo verbo. E “de muitos”, significa considerar os nomes no que se refere à
diversidade do que é nomeado.
Dito
isto, distingue a “ligação de construção”, própria dos gramáticos, da “ligação
de predicação”, própria dos dialéticos. Aquela é toda ligação, utilizando o
verbo “é”, que faça sentido numa sentença gramaticalmente correta. Está é a
ligação que diz respeito à natureza das coisas e a apresentação da verdade do
seu estado. Por exemplo, na frase “Este homem é pedra” faz sentido e é
gramaticalmente correta, sendo “pedra” posta como predicado, portanto, possui
uma “ligação de construção”, mas na natureza das coisas “pedra” não é
predicável de homem, daí não ser uma “ligação de predicação”.
Ora,
mas se não há coisas universais, então parece que as palavras universais são
desprovidas de significação, pois os significados das palavras se referem às
coisas. Tal conclusão, entretanto, é rechaçada por Abelardo, pois o vocábulo
universal nomeia cada coisa a ele subordinada em razão de uma causa comum, que
provoca certa intelecção comum pertinente a cada uma delas. A referida causa
comum é serem semelhantes todos os singulares a quem o universal se aplica, mas
isto não é algo possuído de essência.
Quanto
à intelecção, distingue-a da sensação. A sensação é exercida por meio dos
instrumentos corpóreos dos sentidos e só percebem os corpos ou o que estão
neles. A intelecção, de outra forma, é exercida através da mente e incide sobre
o que a mente elabora para si mesma, a partir da semelhança com as coisas
corpóreas.
A
intelecção é certa ação da alma dirigida para certa coisa imaginária e fictícia
que o espírito elabora para si. Assim, através da intelecção dos nomes universais,
a mente concebe uma imagem comum e confusa de muitos e, na dos nomes
singulares, engendra e apreende uma imagem própria e como que singular de um
só. Portanto, está subordinada à intelecção do nome universal a forma comum
concebida pela mente e na do nome singular, a forma própria.
A
matéria e a forma sempre se apresentam reunidas na física, mas o espírito pode
inteligi-las em separado, por abstração, ou de modo reunido, por
conjunção.
A
união ou divisão são concebidas em dois sentidos. Em razão de alguma semelhança
ou em razão de alguma aposição ou agregação. Assim se compõem os separados e se
separam os compostos, sem se afastar da natureza das coisas, e é por isso que
esse procedimento é racional e não opinativo.
A
intelecção do nome universal em razão da causa comum apreendida dos singulares
ocorre por abstração. A abstração é um modo de inteligir a coisa somente sob determinado
aspecto, excluindo da consideração todos os demais. Ela não é um modo da coisa
subsistir, pois a coisa subsiste completa.
Quando
se intelige um nome universal, a atenção se volta para aquele aspecto que o
termo remete, afastando todas as coisas singulares que cabem na sua extensão,
assim como os outros aspectos que tais coisas possuem. A intelecção dos nomes
universais é isolada, pura e nua. Isolada das sensações, pois não percebe a
coisa como sensível; nua quanto à abstração de todas ou de algumas formas e
pura, porque nenhuma coisa é certificada nela, daí porque Abelardo chama esta
concepção de confusa.
Mas
as palavras, produto desta intelecção, não são vazias de significado.
Os
nomes universais estão para os nomes singulares como o que excede está para o
que é excedido. Os universais não contem apenas nome, mas também verbos e nomes
indefinidos, exceto os casos oblíquos, porque não podem ser predicados.
4.
Segundo o tempo da coisa pensada, o
pensamento pode ser previsão, memória ou inteligência. Memória é o pensamento
quanto ao que é no passado; inteligência, quanto ao que é no presente; e
previsão, quanto ao que é no futuro. Estes não são vazios, a não ser que
careçam de efeito.
5.
Resposta às questões de Porfírio
a) Os
universais existem ou estão apenas na inteligência?
Significam pela denominação coisas
verdadeiramente existentes, as mesmas coisas referidas pelos nomes singulares
subordinados; de outra maneira, consistem numa intelecção isolada, nua e pura.
b) Se
subsistentes, são corporais ou incorporais?
Considerando universal aquilo que é
essencialmente separado dos demais, os universais, quanto ao modo de denominar,
são incorpóreos, porque não denominam coisas separadamente e determinadamente,
mas o próprio nome universal é corpóreo quanto a sua essência.
c) Os
universais se encontram no sensível?
Os universais subsistem nos sensíveis,
em virtude das formas exteriores, mas manifestam-se como separados da coisa
sensível.
d) Os
universais denominam o próprio sensível ou também algo outro?
Significam os próprios sensíveis e ao
mesmo tempo a concepção comum. Extinguindo-se todas as coisas sensíveis
subordinadas a um determinado universal, este já não será predicado de vários e
neste aspecto da denominação perderá sentido, mas ainda será significativo em
virtude da intelecção, até para dizer que não há mais aquela coisa, dito assim
de modo comum.
6. Consideração
final de Abelardo
Porfírio tratou apenas dos universais
porque eles são os mais complicados , deixando de lado os singulares, pois quanto
a eles não havia dúvidas.
Quando se explica as palavras quanto à
significação, ora se trata das palavras, ora das coisas, frequentemente
transpondo o nome daquelas para esta e destas para aquelas. Daí o tratamento às
vezes ambíguo da lógica e da gramática, que muitas vezes induz a erro, em razão
da não distinção adequada da propriedade da imposição dos nomes ou o abuso das
transferências.
A universalidade, que as coisas conferem a palavra
universal, as próprias coisas não a têm singularmente, porquanto a palavra
universal não tem significação por causa da coisa, mas sim de acordo com a
semelhança da multidão de coisas.