sábado, 19 de junho de 2010

Termo, segundo Jacques Maritain

2. A simples apreensão

A simples apreensão é a primeira atividade praticada pelo espírito quando se debruça sobre um objeto qualquer. Segundo Jacques Maritain, é o ato pelo qual a inteligência [apenas] percebe alguma coisa, sem nada afirmar ou negar sobre ela.

O objeto deste primeiro ato do espírito se divide em material e formal.

O objeto material é uma coisa qualquer, sobre a qual o espírito se debruça; por exemplo, este homem ou esta pedra de fato existente.

Entretanto, esse objeto material é apenas o ponto de partida para a operação da simples apreensão, porque seu ponto de chegada, o seu objetivo principal é, a partir do objeto material, captar o objeto formal.

O objeto formal, por sua vez, não é a coisa externa, mas é aquilo que o espírito apreende da coisa. Isto que o espírito apreende da coisa é chamada por Jacques Maritain de essência, natureza ou quididade.

Portanto, a simples apreensão é o ato pelo qual o espírito, na media em que se debruça sobre uma coisa, capta da coisa aquilo que é inteligível.  O autor, inclusive, esclarece deste modo: as essências atingidas pela simples apreensão não nos fornece de logo o conhecimento da constituição íntima das coisas, mas apenas os aspectos inteligíveis mais simples.

Esta é a primeira operação do espírito, é o primeiro passo dado pelo espírito antes de poder afirmar ou negar algo sobre a coisa.

A simples apreensão do objeto acontece de modo diferente, neste ou naquele ato particular do espírito. Isto acontece porque o objeto, enquanto submetido ao ato particular, possui um particular aspecto inteligível. Quanto à particularidade em que são concebidos no ato, os objetos se dividem em incomplexos e complexos.

O objeto incomplexo é aquele que se apresenta explicitamente sob um único aspecto inteligível, daí porque demanda uma única apreensão inteligível e é expresso por um único termo. Por exemplo, “homem”.

O objeto complexo, entretanto, é aquele que se apresenta explicitamente sob dois ou mais aspectos inteligíveis, daí porque demanda duas ou mais apreensões inteligíveis e, por isso, é expresso por dois ou mais termos. Por exemplo, “animal racional”.

Portanto, a mesma essência humana, enquanto objeto da simples apreensão, poderá ser apreendida pelo espírito de um modo incomplexo, num único ato, representado, por exemplo, pelo termo “homem”; ou poderá ser apreendida de um modo complexo, em dois ou mais atos, representados, por exemplo, pelo termo “animal racional”.

Entretanto, independentemente do ato particular do espírito, os objetos também podem ser classificados, considerando-os em si mesmos. Se o objeto da simples apreensão for uma única essência ele é chamado de incomplexo. Por exemplo: “homem” ou “animal racional”; independentemente de serem formados por uma ou duas apreensões inteligíveis, de possuírem um ou dois termos, é apenas uma só essência. O objeto incomplexo é, portanto, indivisível em si mesmo. Se o objeto da simples apreensão for várias essências unidas ele é chamado de complexo. Por exemplo: “um homem vestido com roupa suntuosa” ou “a garça de bico longo ajustado num longo pescoço”; neste caso, é divisível por si mesmo, porque cada essência distinta é apreendida num conjunto para a formação da essência complexa.

As divisões do objeto da simples apreensão, considerando-os em si mesmo, ou considerando-os no particular aspecto em que foram apreendidos, permite a seguinte análise combinatória: o objeto poderá ser incomplexo em si mesmo e incomplexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: homem); o objeto poderá ser incomplexo em si mesmo e complexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: animal racional); o objeto poderá ser complexo em si mesmo e incomplexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: filósofo); o objeto poderá ser complexo em si mesmo e complexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: a garça de bico longo ajustado num longo pescoço).

Conclui-se, do exposto, que a simples apreensão é a primeira operação do espírito; é o ato pelo qual a inteligência capta da coisa aquilo que é inteligível; essa captação pode se dá por apenas uma apreensão inteligível ou mais de uma, a depender do particular aspecto inteligível em que o objeto foi apreendido; e em razão da complexidade do objeto captado, pode se expressar por uma essência ou seqüência de essências unidas, as quais são captadas sem que delas nada se afirme ou negue.

Termo, segundo Jacques Maritain

1. As três operações do espírito e as três obras do espírito

O objetivo último do espírito que utiliza a razão como instrumento de ciência ou meio para a aquisição da verdade é a produção de uma obra chamada argumentação correta, a qual decorre de uma atividade racional última chamada de raciocínio. Entretanto, antes do espírito praticar tal atividade para a construção de tal obra, pratica atividades anteriores e constrói obras também anteriores, as quais são pré-requisitos para aquelas.

Jacques Maritain denomina as atividades do espírito de operações do espírito e denomina as obras produzidas por tais atividades de obras do espírito.

Neste contexto, o termo representa uma obra anterior produzida pelo espírito, que será utilizada em operações posteriores para a construção de obras posteriores. Daí porque, para entender o significado do termo é necessário, antes, que seja entendido o significado de operações do espírito e de obras do espírito.

Segundo Jacques Maritain o espírito pratica três operações e, conseqüente, em decorrência de cada uma delas, três respectivas obras são produzidas, considerando que a primeira obra é utilizada na segunda operação para a construção da segunda obra e que esta é utilizada na terceira operação para a construção da terceira e última obra. De tal ordem se conclui a dependência necessária da terceira obra em relação a segunda e desta em relação a primeira. A mesma dependência se aplica às três operações.

Quanto à obra do espírito, o autor chama a atenção para o fato de que é produzida no espírito, daí porque não é em si mesma material e sim espiritual.

Na ordem decrescente da exposição, seguem-se breves considerações sobre cada uma das operações e obras do espírito.

A terceira e última operação do espírito, conforme denominação já referida, é a operação do raciocínio. É a operação mais complexa, porque com ela utilizamos as coisas já conhecidas para chegarmos às que ainda não conhecemos, através de demonstrações, fazendo progredir a nossa ciência. Embora complexa, a operação do raciocínio é una, indivisível, pois visa exclusivamente à conclusão final. Sua estrutura é formada por duas proposições conhecidas, a partir das quais se chega a uma proposição conclusiva ainda não conhecida, sendo que este é o objetivo exclusivo do raciocínio, daí porque sua unidade está na necessária dependência da proposição conclusiva em relação às duas proposições antecedentes, e na completa inutilidade destas duas proposições para o raciocínio em questão se não houver a manifestação da proposição conclusiva.

O raciocínio produz a obra do espírito e no espírito chamada argumentação, que consiste na reunião de proposições dentro da estrutura já descrita.

O exemplo do quê a operação do raciocínio produz no espírito pode assim ser representado graficamente: destas duas proposições, todo homem é mortal e Sócrates é homem, se deduz a proposição conclusiva Sócrates é mortal.

A segunda operação do espírito, por sua vez, é o juízo, que consiste em afirmar ou negar uma coisa de outra coisa. Através da operação do juízo afirmamos a relação de identidade entre duas coisas, ou negamos a relação de identidade entre duas coisas. Assim, declaramos a posse da verdade sobre um determinado ponto. Convém, ainda, esclarecer que o juízo é também um ato uno e indivisível, pois é um movimento de pensamentos que une um sujeito a um predicado pela relação de identidade.

O juízo produz a obra do espírito e no espírito chamada proposição ou enunciado. A proposição produzida pelo espírito é a proposição pensada, isto porque a proposição falada, quer mentalmente falada quer realmente falada, é apenas o sinal oral da proposição pensada, sendo que  a diferença entre uma e outra  é similar à diferença entre uma casa e o sinal que a representa. A proposição pensada, segundo Maritain, é um organismo imaterial composto de vários conceitos; já uma proposição falada é um composto inerte de partes materiais (palavras) justapostas no tempo (oral) ou no espaço (escrita).

O exemplo do que a operação do juízo produz no espírito pode assim ser representado graficamente: todo homem é mortal.

A primeira operação do espírito, por fim, é a simples apreensão, que consiste em formar uma idéia no espírito através da qual se apreende algum objeto simples. Por este ato um objeto de pensamento é apresentado à consideração e à posse do espírito, mas apenas oferece um objeto discernível numa coisa, sem oferecer outros objetos que realmente ou possivelmente estão unidos a esta coisa, daí porque o espírito, pela simples apreensão de um objeto, não tem ainda o que afirmar ou negar sobre ele. Por isso, é um ato uno e indivisível e é também simples, pois não comporta divisão em partes, e se refere a um objeto que é indivisível em si mesmo ou é pelo menos apreendido da mesma maneira que os objetos indivisíveis, sem implicar construção edificada pelo espírito.

A simples apreensão é uma operação primeira do espírito, que não supõe qualquer outra antecedente, e ainda não representa o primeiro ato de conhecimento. Ela produz a obra do espírito chamada conceito.

 O exemplo do que a operação da simples apreensão produz no espírito pode assim ser representado graficamente: “homem”, "Sócrates" e “mortal”.