quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Intervalo no estudo do Termo, segundo Jacques Maritain

Prezados amigos;

Segue um grande poema de Santa Teresa de Jesus, traduzido por Milton Amado, o qual estabelece novas consequências a partir da relação entre vida, ferimento mortal e morte, em razão dos princípios da conversão ao Nosso Senhor Jesus Cristo e da ressurreição da carne:

"No mais íntimo foi meu ser ferido
e maravilhas tais o golpe trouxe
que dúvidas não tenho de que fosse
ele por mão divina desferido.

E embora fosse grave o ferimento,
pois mortalmente o dardo me atingira
com dor que igual ninguém jamais sentira,
é dessa chaga que retiro alento.

Mortal - e como pode então dar vida?
Dá vida - e como pode então destruir?
Como pode curar após ferir
e a Deus fazer-me com mais força unida?

Divina habilidae é de supor
a essa Mão por que a lança é dirigida
que o inimigo atravessa e dá-lhe vida,
curvando-o ao que deseja o Vencedor."

Agora, compare e perceba a harmonia existente entre o poema e a escultura de Gian Lorenzo Bernini:

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Termo, segundo Jacques Maritain

3. O Conceito

O conceito é o objeto formal da operação da simples apreensão. É a obra produzida pelo espírito dentro de si mesmo, é, portanto, sempre imaterial, abstrato.

No caminho percorrido pelo espírito para produção do conceito objetivo -  da coisa existente no mundo material até a sua essência existente no mundo imaterial - ele passa por uma etapa distinta  e antecedente, que é também chamada de conceito. Daí porque se diz que há dois tipos de conceitos. 

O primeiro tipo, o da primeira etapa, é o conceito mental ou verbo mental, adquirido quando o espírito capta a “imagem” ou a similitude espiritual da coisa, produzida no seu próprio âmbito, com o objetivo de servir de meio pelo qual intelige a coisa. O conceito mental corresponde a uma necessidade do conhecimento intelectual, pois ele leva o objeto inteligível ao último grau de imaterialidade necessário para ser percebido, e corresponde à fecundidade própria da inteligência, pois com ele a inteligência procura manifestar para si mesma aquilo que acabou de apreender.

Esse conceito mental é portador de um objeto: a essência da coisa apresentada sob um aspecto inteligível. Eis aí o segundo tipo de conceito – o conceito objetivo, a essência – que é o quê concebemos da coisa, tornada presente ao nosso espírito. Ele é a própria coisa enquanto cai sob o conhecimento intelectual. 

O conceito objetivo é o que conhecemos; o conceito mental é pelo que conhecemos. Este é algo que pertence ao observador e é utilizado por ele para conhecer o objeto, assim como é a mão, que o observador utiliza para pegar um animal; aquele é algo que pertence ao objeto e é utilizado pelo observador para conhecer o objeto, assim como as patas ou as orelhas, pelas quais o observador agarra o animal.

O conceito objetivo, que é o mesmo objeto formal da simples apreensão (a essência), é o tipo que interessa imediatamente à lógica, quando da realização das “composições”, “divisões” e verificações de conveniência.

Dentro da lógica, o conceito objetivo, por ser abstração feita de uma existência atual, é sempre encarado como uma existência possível. Todo conceito, por exemplo “cegueira”, “número”, “ponto”, “um mundo melhor” ou “homem”, é sempre uma abstração daquilo que existe de fato, e, por isso, pela lógica, é algo existente na esfera do possível.

Interessa à lógica a análise do conceito objetivo, sob o ângulo da sua compreensão e da sua extensão.

A compreensão do conceito objetivo é a totalidade das suas notas constitutivas. São notas de um conceito os elementos que pertencem a ele necessariamente. Por exemplo, do conceito homem se pode perceber as seguintes notas: substância, corpo vivo, dotado de sensibilidade, racional. Tais notas são essenciais ao conceito, pois, se privado de qualquer uma delas, deixa de ser o quê é.

Já a extensão do conceito objetivo é a totalidade de indivíduos e espécies objetos de conceitos universais menores, sobre os quais ele se aplica (convém).

A regra geral referente à compreensão e à extensão do conceito objetivo é fixada da seguinte maneira: a extensão e a compreensão de um conceito estão entre si numa razão inversa. Quanto maior a extensão, menor a compreensão; e quanto maior a compreensão, menor a extensão. Por exemplo, o conceito animal possui uma extensão maior que o conceito homem, pois abarca na sua amplitude uma quantidade maior de indivíduos: todos os indivíduos abarcados pelo conceito homem e, além destes, todos os indivíduos abarcados por outros conceitos universais menores como cachorro e gato; entretanto o conceito animal possui uma compreensão menor que a do conceito homem, pois possue menor quantidade de notas conceituais, por exemplo a nota “racional” que pertence ao conceito homem não se aplica ao conceito animal, entretanto, todas as notas pertencente ao conceito animal se aplica ao conceito homem.

Entende Jacques Maritain que, como um conceito apresenta imediatamente ao espírito uma essência representativa de alguma coisa real, sua característica primordial é a compreensão, sendo a extensão apenas uma propriedade decorrente e pressuposta da compreensão. Assim, a compreensão deve ser entendida num sentido objetivo, pois as notas conceituais constituem a essência do conceito em si mesmo e estão nele contidas radicalmente, não é fruto de uma imposição arbitrária feita pelo observador. Independentmente da variação das nomenclaturas utilizadas, como ocorre por exemplo no uso das várias linguas existentes, as notas conceituais são as mesmas.

Daí porque um conceito objetivo é primeiramente compreendido pela sua definição essencial, e secundariamente pelas notas não-essenciais (acidentais) que decorrem necessariamente das notas essenciais, e a isto se chama definição descritiva.

No que se refere à extensão, comparativamente, chama-se conceito superior o conceito de maior extensão e conceito inferior aquele de menor extensão, por exemplo, animal é um conceito superior em relação a homem, que é um conceito inferior. O conceito superior está para o inferior assim como o todo está para a parte. Os lógicos denominam o conceito superior de todo potencial ou todo lógico, pois nele contém os conceitos inferiores, e denominam os conceitos inferiores de partes subjetivas, pois estes conceitos inferiores são sujeitos dos quais o conceito superior é predicado.

No âmbito da lógica menor, os vários tipos de conceito são divididos segundo tais perpectivas: a) em relação ao ato da simples apreensão; b) segundo a sua compreensão e; c) segundo a sua extensão.

a) Em relação ao ato da simples apreensão, os conceitos podem ser complexos ou incomplexos, uma vez que o conceito objetivo é o objeto formal da simples apreensão. As explicações desta parte são idênticas àquelas referentes ao objeto formal mencionada no tópico da simples apreensão.

Ainda quanto ao ato da simples apreensão, os conceitos podem ser conceptus ulyimatus (conceito da coisa), que se refere à própria coisa, e conceptus non ultimatus (conceito do sinal), que se refere à palavra escrita ou falada.

b) Segundo a sua compreensão, os conceitos se dividem em concretos e abstratos. Os conceitos concretos são aqueles que apresentam ao espírito a forma de um sujeito que ela (forma) determina. Apresenta ao espírito o quê é isto ou aquilo. Por exemplo, o conceito homem, cuja forma determina um sujeito. Os conceitos abstratos, ao contrário, apresentam ao espírito uma forma, mas sem o sujeito que ela determina. Apresenta ao espírito pelo que uma coisa é isto ou aquilo. Por exemplo, humanidade. Ambos os tipos são abstratos, porque abstraídos da experiência sensível, mas os segundos são abstratos na segunda potência, porque separam uma forma do sujeito que ela determina.

c) Segundo a sua extensão, os conceitos se dividem em coletivos e divisivos. Coletivos são aqueles que se realizam num grupo de indivíduos tomados coletivamente, por exemplo, o conceito exército e família; divisivos são aqueles que se realizam nos próprios indivíduos tomados cada um em particular, por exemplo, homem e soldado.

e) Ainda segundo a extensão, é possível dividir o conceito, mas enquanto ocupante da função de sujeito numa proposição, por isso agora considerado de modo dinâmico. O termo extensão, neste contexto, significa a abrangência dos indivíduos aos quais o conceito é considerado como comunicável em sua função de sujeito. A referida abrangência poderá abarcar toda a universalidade do conceito, abstraindo deste qualquer consideração dos indivíduos; poderá abarcar parte indeterminada desta universalidade, aí já considerando uma parte dos indivíduos indeterminadamente; ou poderá abarcar parte determinada ou individual da universalidade, aí também incluindo a modalidade individual no seu aspecto determinado. Nesta condição, o conceito-sujeito será singular ou individual, quando se realizar num único indivíduo ou numa parte determinada da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “este homem”, ou ainda “Aristóteles”, ou ainda “estes dois homens”; será comum particular, quando se realizar numa parte indeterminada dos indivíduos componentes da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “alguns homens”, o ainda “alguns filósofos”; e será comum distributivo ou universal, quando se realizar em todos os indivíduos da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “todo homem”, ou ainda “todo filósofo”, ou quando se realizar na própria essência do conceito apreendida na simples apreensão, não voltada aos indivíduos no real, por exemplo, nesta frase, “homem é atribuível a vários sujeitos”, ou nesta frase, “o homem é a mais nobres das criaturas”.

As palavras “este”, “algum” e “todo” são utilizadas para marcar em que extensão o conceito-sujeito recebe o predicado: se recebe em toda a sua universalidade, se na parte indeterminada da sua universalidade, ou se na parte individual ou determinada da sua universalidade. A noção de universalidade aqui é sempre com relação aos indivíduos abrangidos, exceto quando apontada para a própria essência do conceito apreendida na simples apreensão, não voltada aos indivíduos no real.

As qualidades singular, particular e distributivo, atribuídas aos conceitos-sujeito, se estendem as proposições na medida em que participam delas embutidas em um destes sujeitos, daí porque as proposições também são chamadas de singulares, particulares e distributivas.

sábado, 19 de junho de 2010

Termo, segundo Jacques Maritain

2. A simples apreensão

A simples apreensão é a primeira atividade praticada pelo espírito quando se debruça sobre um objeto qualquer. Segundo Jacques Maritain, é o ato pelo qual a inteligência [apenas] percebe alguma coisa, sem nada afirmar ou negar sobre ela.

O objeto deste primeiro ato do espírito se divide em material e formal.

O objeto material é uma coisa qualquer, sobre a qual o espírito se debruça; por exemplo, este homem ou esta pedra de fato existente.

Entretanto, esse objeto material é apenas o ponto de partida para a operação da simples apreensão, porque seu ponto de chegada, o seu objetivo principal é, a partir do objeto material, captar o objeto formal.

O objeto formal, por sua vez, não é a coisa externa, mas é aquilo que o espírito apreende da coisa. Isto que o espírito apreende da coisa é chamada por Jacques Maritain de essência, natureza ou quididade.

Portanto, a simples apreensão é o ato pelo qual o espírito, na media em que se debruça sobre uma coisa, capta da coisa aquilo que é inteligível.  O autor, inclusive, esclarece deste modo: as essências atingidas pela simples apreensão não nos fornece de logo o conhecimento da constituição íntima das coisas, mas apenas os aspectos inteligíveis mais simples.

Esta é a primeira operação do espírito, é o primeiro passo dado pelo espírito antes de poder afirmar ou negar algo sobre a coisa.

A simples apreensão do objeto acontece de modo diferente, neste ou naquele ato particular do espírito. Isto acontece porque o objeto, enquanto submetido ao ato particular, possui um particular aspecto inteligível. Quanto à particularidade em que são concebidos no ato, os objetos se dividem em incomplexos e complexos.

O objeto incomplexo é aquele que se apresenta explicitamente sob um único aspecto inteligível, daí porque demanda uma única apreensão inteligível e é expresso por um único termo. Por exemplo, “homem”.

O objeto complexo, entretanto, é aquele que se apresenta explicitamente sob dois ou mais aspectos inteligíveis, daí porque demanda duas ou mais apreensões inteligíveis e, por isso, é expresso por dois ou mais termos. Por exemplo, “animal racional”.

Portanto, a mesma essência humana, enquanto objeto da simples apreensão, poderá ser apreendida pelo espírito de um modo incomplexo, num único ato, representado, por exemplo, pelo termo “homem”; ou poderá ser apreendida de um modo complexo, em dois ou mais atos, representados, por exemplo, pelo termo “animal racional”.

Entretanto, independentemente do ato particular do espírito, os objetos também podem ser classificados, considerando-os em si mesmos. Se o objeto da simples apreensão for uma única essência ele é chamado de incomplexo. Por exemplo: “homem” ou “animal racional”; independentemente de serem formados por uma ou duas apreensões inteligíveis, de possuírem um ou dois termos, é apenas uma só essência. O objeto incomplexo é, portanto, indivisível em si mesmo. Se o objeto da simples apreensão for várias essências unidas ele é chamado de complexo. Por exemplo: “um homem vestido com roupa suntuosa” ou “a garça de bico longo ajustado num longo pescoço”; neste caso, é divisível por si mesmo, porque cada essência distinta é apreendida num conjunto para a formação da essência complexa.

As divisões do objeto da simples apreensão, considerando-os em si mesmo, ou considerando-os no particular aspecto em que foram apreendidos, permite a seguinte análise combinatória: o objeto poderá ser incomplexo em si mesmo e incomplexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: homem); o objeto poderá ser incomplexo em si mesmo e complexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: animal racional); o objeto poderá ser complexo em si mesmo e incomplexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: filósofo); o objeto poderá ser complexo em si mesmo e complexo quando ao modo de apreensão (por exemplo: a garça de bico longo ajustado num longo pescoço).

Conclui-se, do exposto, que a simples apreensão é a primeira operação do espírito; é o ato pelo qual a inteligência capta da coisa aquilo que é inteligível; essa captação pode se dá por apenas uma apreensão inteligível ou mais de uma, a depender do particular aspecto inteligível em que o objeto foi apreendido; e em razão da complexidade do objeto captado, pode se expressar por uma essência ou seqüência de essências unidas, as quais são captadas sem que delas nada se afirme ou negue.

Termo, segundo Jacques Maritain

1. As três operações do espírito e as três obras do espírito

O objetivo último do espírito que utiliza a razão como instrumento de ciência ou meio para a aquisição da verdade é a produção de uma obra chamada argumentação correta, a qual decorre de uma atividade racional última chamada de raciocínio. Entretanto, antes do espírito praticar tal atividade para a construção de tal obra, pratica atividades anteriores e constrói obras também anteriores, as quais são pré-requisitos para aquelas.

Jacques Maritain denomina as atividades do espírito de operações do espírito e denomina as obras produzidas por tais atividades de obras do espírito.

Neste contexto, o termo representa uma obra anterior produzida pelo espírito, que será utilizada em operações posteriores para a construção de obras posteriores. Daí porque, para entender o significado do termo é necessário, antes, que seja entendido o significado de operações do espírito e de obras do espírito.

Segundo Jacques Maritain o espírito pratica três operações e, conseqüente, em decorrência de cada uma delas, três respectivas obras são produzidas, considerando que a primeira obra é utilizada na segunda operação para a construção da segunda obra e que esta é utilizada na terceira operação para a construção da terceira e última obra. De tal ordem se conclui a dependência necessária da terceira obra em relação a segunda e desta em relação a primeira. A mesma dependência se aplica às três operações.

Quanto à obra do espírito, o autor chama a atenção para o fato de que é produzida no espírito, daí porque não é em si mesma material e sim espiritual.

Na ordem decrescente da exposição, seguem-se breves considerações sobre cada uma das operações e obras do espírito.

A terceira e última operação do espírito, conforme denominação já referida, é a operação do raciocínio. É a operação mais complexa, porque com ela utilizamos as coisas já conhecidas para chegarmos às que ainda não conhecemos, através de demonstrações, fazendo progredir a nossa ciência. Embora complexa, a operação do raciocínio é una, indivisível, pois visa exclusivamente à conclusão final. Sua estrutura é formada por duas proposições conhecidas, a partir das quais se chega a uma proposição conclusiva ainda não conhecida, sendo que este é o objetivo exclusivo do raciocínio, daí porque sua unidade está na necessária dependência da proposição conclusiva em relação às duas proposições antecedentes, e na completa inutilidade destas duas proposições para o raciocínio em questão se não houver a manifestação da proposição conclusiva.

O raciocínio produz a obra do espírito e no espírito chamada argumentação, que consiste na reunião de proposições dentro da estrutura já descrita.

O exemplo do quê a operação do raciocínio produz no espírito pode assim ser representado graficamente: destas duas proposições, todo homem é mortal e Sócrates é homem, se deduz a proposição conclusiva Sócrates é mortal.

A segunda operação do espírito, por sua vez, é o juízo, que consiste em afirmar ou negar uma coisa de outra coisa. Através da operação do juízo afirmamos a relação de identidade entre duas coisas, ou negamos a relação de identidade entre duas coisas. Assim, declaramos a posse da verdade sobre um determinado ponto. Convém, ainda, esclarecer que o juízo é também um ato uno e indivisível, pois é um movimento de pensamentos que une um sujeito a um predicado pela relação de identidade.

O juízo produz a obra do espírito e no espírito chamada proposição ou enunciado. A proposição produzida pelo espírito é a proposição pensada, isto porque a proposição falada, quer mentalmente falada quer realmente falada, é apenas o sinal oral da proposição pensada, sendo que  a diferença entre uma e outra  é similar à diferença entre uma casa e o sinal que a representa. A proposição pensada, segundo Maritain, é um organismo imaterial composto de vários conceitos; já uma proposição falada é um composto inerte de partes materiais (palavras) justapostas no tempo (oral) ou no espaço (escrita).

O exemplo do que a operação do juízo produz no espírito pode assim ser representado graficamente: todo homem é mortal.

A primeira operação do espírito, por fim, é a simples apreensão, que consiste em formar uma idéia no espírito através da qual se apreende algum objeto simples. Por este ato um objeto de pensamento é apresentado à consideração e à posse do espírito, mas apenas oferece um objeto discernível numa coisa, sem oferecer outros objetos que realmente ou possivelmente estão unidos a esta coisa, daí porque o espírito, pela simples apreensão de um objeto, não tem ainda o que afirmar ou negar sobre ele. Por isso, é um ato uno e indivisível e é também simples, pois não comporta divisão em partes, e se refere a um objeto que é indivisível em si mesmo ou é pelo menos apreendido da mesma maneira que os objetos indivisíveis, sem implicar construção edificada pelo espírito.

A simples apreensão é uma operação primeira do espírito, que não supõe qualquer outra antecedente, e ainda não representa o primeiro ato de conhecimento. Ela produz a obra do espírito chamada conceito.

 O exemplo do que a operação da simples apreensão produz no espírito pode assim ser representado graficamente: “homem”, "Sócrates" e “mortal”.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Termo Lógico, segundo a Irmã Miriam Josefh


Como disse no post do dia 17/05/2010, para o exercício da leitura compreensiva, tal como descrita no Livro “Cómo leer un libro” de Mortimer J Adler e Charles Van Doren, é necessário anteriormente entender os significados de Termo, Proposição e Argumento, pertencentes à matéria da Lógica. Segue neste post o significado de Termo, constante do livro “O Trivium”, escrito pela Irmã Miriam Josefh.

Ao longo da explicação dada pela autora, aparecem os seguintes termos: símbolo, palavra, conceito, comunicação e ambigüidade, os quais, portanto, são antecedentes lógicos, cujos significados devem ser fornecidos de início. Ela mesma fornece tais antecedentes.

Diz a autora: o símbolo é um signo sensível, arbitrário, cujo significado é imposto sobre ele por convenção. Sobre isto eu entendo o seguinte: que o atributo “sensível” do símbolo decorre do fato dele ser perceptível aos sentidos; o atributo “arbitrário” do símbolo decorre do fato dele ser criado ou escolhido em decorrência de uma decisão humana essencialmente livre; e o atributo “significado imposto sobre ele por convenção” decorre do fato de o significado determinado de um símbolo ser consensualmente aceito pela comunidade que o utiliza.

Diz a autora: palavras são símbolos criados para representar a realidade. As palavras se dividem em categoremáticas e sincategoremáticas. Palavras categoremáticas são aquelas que simbolizam alguma forma do ser e que podem, correspondentemente, ser classificadas nas dez categorias do ser – substância e nove acidentes. Palavras sincategoremáticas são aquelas que só tem significado junto a outras palavras, pois, por si mesma, não podem ser classificadas nas categorias. Sobre isto eu entendo o seguinte: que a existência de palavras sincategoremáticas não invalida a afirmação da autora de que palavras são símbolos criados para representar a realidade, pois as palavras sincategoremáticas, mesmo por si mesmas não representando nada na ordem do ser, só existem enquanto meios complementares para a representação da realidade, seja quando chama atenção para as substâncias (no caso dos artigos) seja quando ligam palavras, frases ou sujeitos e predicados (no caso das preposições, conjunções e pura cópula). Exemplo de palavra categoremática: pedra; exemplo de palavra sincategoremática: o “o” e o “na” da frase: o copo está na mesa. Acredito que o sentido da palavra “realidade” utilizada pela autora abrange os seres existentes e os seres imaginados pelo homem, pois há palavras criadas pelo homem para simbolizar seres imaginados, a exemplo de “dragão”. Intuo também uma espécie de natureza ética na essência das palavras, de maneira a se considerar intrinsecamente um abuso o uso de palavras para se contar mentiras. Sobre as noções de substância e acidente é recomendável a leitura do livro “Das Categorias” de Aristóteles.

Diz a autora: conceito é uma idéia que representa a realidade. Um conceito é uma idéia que existe apenas na mente, mas que tem seu fundamento fora dela: na essência que existe no indivíduo e faz dele o tipo de coisa (ente, ser) que é. Para se gerar um conceito, primeiro, os sentidos operam sobre um objeto presente diante de nós e daí produzem uma percepção do objeto; depois, os sentidos internos, fundamentalmente a imaginação, produzem um fantasma ou imagem mental do objeto, que pode ser reproduzido a vontade na ausência do objeto e, por fim, desta percepção do objeto o intelecto abstrai aquilo que é comum e necessário a todas as percepções de objetos similares, esta é a essência cuja apreensão intelectual é o conceito. Sobre isto eu entendo o seguinte: que o conceito é um bloco de pensamento intuído pelo sujeito a partir da percepção do que é comum em objetos similares. Esse bloco de pensamento representa, portanto, uma realidade ideal, tendo em vista que não representa um indivíduo isoladamente, mas sim a idéia que agrega os indivíduos num conjunto, daí porque o conceito existe de fato na mente. O bloco de pensamento intuído apreende aquilo que é chamado de essência ou substância comum dos objetos individuais agrupados na mesma espécie, ou seja, apreende aquilo que faz com que o objeto seja o que é e sem o qual o objeto deixa de ser o que é. Exemplo de essência: a essência do homem é o corpo e a alma em comunhão; sem corpo e alma o homem deixa de ser homem; sem o corpo, a alma isoladamente não pode ser chamada de homem; e sem a alma, o corpo isoladamente não pode ser chamado de homem. O bloco de pensamento precede a existência de um símbolo sobre ele imposto por convenção: o símbolo é imposto ao bloco para fins de representá-lo. Os símbolos que representam o conceito são os nomes comuns e as descrições gerais. Exemplo de conceito: “homem” ou “animal racional”

Diz a autora: comunicação é a transmissão de uma idéia de uma mente isolada de todas as outras – já que contida num corpo – para uma outra mente, igualmente isolada, através de palavras ou outros símbolos. Sobre isto eu entendo o seguinte: que os pensamentos dos indivíduos se encontram encarcerados nas suas respectivas mentes. Tais pensamentos podem ser representados por símbolos. Os símbolos são meios físicos cujos significados são compartilhados entre os indivíduos. Os símbolos, quando expressados, funcionam como veículos para o transporte do pensamento da mente de um indivíduo para a mente de outro indivíduo. Esse processo é chamado de comunicação. Assim, quando se quer comunicar, o sujeito A deve representar seu pensamento em símbolos e transmitir tais símbolos ao sujeito B; o sujeito B deve receber os símbolos transmitidos, decodificar os mesmos e, por fim, acessar o pensamento do sujeito A. Dentre os símbolos, as palavras são os mais utilizados na comunicação humana.

Diz a autora: Uma vez que uma palavra é um símbolo, um signo arbitrário sobre o qual é imposto um significado, não pela natureza nem pela semelhança, mas por convenção, é por sua natureza mesma sujeita a ambigüidade; porque, obviamente, mais de um significado pode ser imposto a um símbolo. Sobre isto eu entendo o seguinte: que ambigüidade é um fenômeno provocador de uma dificuldade de compreensão do significado que se quis transmitir de um determinado símbolo, tendo em vista que o mesmo símbolo possui mais de um significado. Ambigüidade de um símbolo é um obstáculo à comunicação precisa do pensamento.

Minhas conclusões:

Se o símbolo é um signo sensível, cujo significado é imposto sobre ele por convenção e se palavra é símbolo criado para representar a realidade, concluo que palavra é um espécie do gênero símbolo. Sendo espécie, a essência da palavra é ser um signo sensível com significado imposto por convenção; sua diferença específica, entretanto, é ser criada para representar a realidade. Logo, o significado convencionado á palavra deve corresponder com a realidade.

Se palavra é símbolo criado para representar a realidade e se conceito é a apreensão de uma idéia que representa a realidade essencial das coisas, concluo que o conceito pode ser simbolizado por palavra. Enquanto representante da realidade, a palavra é um todo, e enquanto representante da realidade essencial, o conceito simbolizado em palavra é uma parte, uma vez que a realidade é formada por substância e acidentes.

Se comunicação é a transmissão de uma idéia de uma mente para uma outra mente, através de palavras ou outros símbolos; e se ambigüidade é um fenômeno que provoca uma dificuldade de compreensão do significado que se quis transmitir de um determinado símbolo, tendo em vista que o mesmo possui mais de um significado, concluo que ambigüidade é um obstáculo à comunicação precisa do pensamento em razão de uma imperfeição da natureza do símbolo, por conseqüência, da palavra.

Dito isto, a autora utiliza as seguintes proposições para expressar o significado de termo lógico:

  1. Um Termo é uma idéia em trânsito. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo o seu caráter essencial de ser algo voltado para a comunicação.
  2. Um Termo é um conceito comunicado através de um símbolo. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo a inclusão do significado de conceito desde que voltado para a comunicação.
  3. Apenas as palavras categoremáticas podem simbolizar um termo lógico. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo a comunicação de símbolos que representam exclusivamente os seres.
  4. As palavras sincategoremáticas gramaticalmente podem ser parte de um símbolo completo, o qual expressa um termo lógico. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo que não é somente formado por palavras, mas também por sentenças, frases e orações, desde que cada uma delas forme um símbolo completo dentro de uma mensagem.
  5. Um símbolo completo é o equivalente gramatical de um termo lógico. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo que sua identificação numa mensagem depende da identificação do símbolo completo.
  6. Um símbolo completo deve ser um nome próprio, ou uma descrição empírica, ou um nome comum, ou uma descrição geral. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo que sua constituição é uma parte acabada dentro do todo que representa a mensagem.
  7. Um termo é sempre não ambíguo. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo o seu caráter de no uso comunicativo sempre funcionar com referência a um único significado.
  8. O mesmo termo pode ser expressado por símbolos diferentes. Sobre isto eu entendo o seguinte: a autora enfatiza no significado de termo que o essencial é o seu significado e não o símbolo que o representa, pois o significado será sempre único, podendo haver o uso de variados símbolos para o representar.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Como ler um livro

Caros amigos, encontrei um método de estudo bem formulado, cuja aplicação está melhorando muito o meu entendimento de questões intelectuais. Foi desenvolvido e apresentado pelos escritores Mortimer J Adler e Charles Van Doren no livro “Cómo leer un libro” publicado em espanhol pela Editora Debate; método este, aliás, recomendável a todos aqueles que buscam verdadeiramente compreender melhor o objeto de seus estudos.

Neste livro, os autores expõem que a leitura deve ser uma atividade de tal modo “ativa”, que possa propiciar ao leitor sair do seu nível de compreensão anterior e inferior do assunto, para um nível posterior e superior, contido no livro que se está lendo. Para isso, descreve o processo de leitura envolvendo quatro níveis distintos, sendo o primeiro nível chamado de leitura primária, o segundo nível chamado de leitura de inspeção, o terceiro nível chamado de leitura analítica e o quarto e último nível chamado de leitura paralela.

A leitura primária é aquele tipo de leitura desenvolvida pelos recém alfabetizados, na qual se segue o texto palavra por palavra, tal como elas vão se sucedendo, e no final se chega a uma noção geral sobre o assunto. Este nível é inicial e essencial, pois possibilita a captação da literalidade do texto, mas não é suficiente para a leitura de temas mais complexos, tais como os de ciência, filosofia e teologia.

O segundo nível, a leitura de inspeção, é praticado pelo leitor quando quer apenas apreender uma vaga idéia do livro, ou quando quer descobrir se o mesmo merece ou não uma leitura aprofundada. A leitura de inspeção consiste em ler atentamente o título da obra, apreendendo todo o seu significado; lê o índice, para compreender qual o caminho percorrido pelo autor na abordagem do assunto; lê a orelha e o prefácio, para saber um pouco da vida e da obra do autor e conhecer algumas opiniões dos especialistas, e lê pequenas passagens dos capítulos e as últimas páginas do livro, de modo a tentar colher o seu resumo.

O terceiro nível de leitura, a leitura propriamente de compreensão, depende muito dos conhecimentos da lógica, pois o leitor deverá saber identificar no livro os termos, as proposições e os argumentos, todos estes conceitos pertencentes à matéria da lógica e extremamente complexos. Para a compreensão desses conceitos é recomendável a leitura dos livros “Organon” de Aristóteles, publicado pelas Editoras Guimarães e Edipro; “A Ordem dos Conceitos – Lógica Menor” de Jacques Maritain, publicado pela Editora Agir, e “O Trivium” da Irmã Miriam Josefh, publicado pela Editora É Realizações.

Na leitura analítica o leitor percorre diversas etapas: a classificação do livro (se é de ficção ou ensaio, se é prático ou teórico, se é de ciência, história, filosofia ou teologia, com todas as implicações decorrentes disto); a radiografia do livro (apreensão da sua estrutura geral); deve chegar a um acordo com o autor (através da identificação da extensão e da intenção dos termos importantes utilizados); deve descobrir o quê o autor quer comunicar (através da identificação das proposições e dos argumentos utilizados) e, por fim, deve percorrer a etapa da crítica (quando o leitor já ultrapassou as etapas anteriores, e somente depois, deverá dizer se concorda ou discorda do autor, com a exposição dos seus fundamentos; ou se suspende o julgamento porque ainda não tem condições para decidir).

Em último lugar, no quarto nível de leitura - a leitura paralela - o leitor lê no mínimo dois livros ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto, para retirar e cotejar as idéias contidas em cada um deles, de modo a constituir uma idéia composta. Na leitura paralela são utilizados todos os níveis anteriores. Este nível de leitura é especialmente recomendável para o estudo de história.

Considere, também, que a metodologia de Adler e Van Doren se aplica a todo o tipo de instrução, não somente aquela adquirida através dos livros, mas também nas instruções recebidas através de exposições orais ou do diálogo, pois a leitura está para a escuta assim como a escrita está para a fala, daí porque se aplica à leitura, à escuta, à escrita e à fala.

Acredito que este método responde satisfatoriamente a questão do “como” compreender os assuntos de natureza intelectual.