quinta-feira, 3 de setembro de 2009

    Amigos;

    O escritor Marsílio Ficino foi responsável pela primeira tradução da obra de Platão para o latim por volta de 1483. Depois, publicou os seus comentários sobre o amor, que compôs a partir de interpretações extraídas dos diálogos Banquete e Fedro. Segue um trecho do referido livro chamado Commentarium in Convivium Platonis, traduzido para o português por Ana Thereza Basílio Vieira com o título de “O Livro do Amor”, e publicado pela Editora Clube de Literatura Cromos. Aqueles que já viveram ou vivem uma experiência de amor, seja para com Deus, com os pais, com os filhos, com os esposos, com os parentes, com os amigos, ou com o próximo, lerá a descrição do que provavelmente não conseguia traduzir em palavras:

   “Todas as vezes que duas pessoas se amam com mútua benevolência, este naquele e aquele neste vive. Deste modo, os homens reciprocamente se trocam e cada um destina a si mesmo ao outro, a fim de recebê-lo. Vejo de que modo trocam-se a si mesmos, quando se esquecem de si. Mas não percebo como recebem o outro. Pois, aquele que não tem a si mesmo, muito menos poderá possuir o outro. Mas, na verdade, cada um tem a si próprio e ao outro. Porque ele existe, mas naquele. Aquele também existe, mas neste. Sem dúvida, enquanto eu te amo, encontro-me, amante, em ti, estando eu pensando em mim, e recobro-me por mim mesmo, perdido na minha negligência, conservando-me em ti. A mesma coisa tu fazes em mim.

    E de novo isto parece admirável. Pois eu, depois que perdi a mim mesmo, se por ti me recobro, por ti tenho a mim; se por ti tenho a mim, eu te tenho antes e mais que a mim mesmo, estou mais próximo de ti que de mim, visto que me ligo a mim precisamente por ti. Nisto sempre a força do desejo difere da violência de Marte. Pois, assim o império e o amor se diferenciam. O imperador por si possui os outros, o amante pelo outro se ama e cada um dos amantes torna-se maior por si mesmo, mais próximo do outro, e morto em si revive no outro. De fato, existe apenas uma única morte no amor recíproco, e uma dupla ressurreição. Pois morre uma vez em si mesmo aquele que ama quando se despreza. Logo renasce no amado, quando o amado o recebe com ardente pensamento. Renasce pela segunda vez, quando no amado, enfim, se reconhece e não duvida que é amado. Ó morte feliz, que duas vidas perseguem! Ó comércio admirável, no qual alguém trai a si mesmo pelo outro, tem o outro e não deixa de ter a si! Ó lucro inestimável, quando dois assim se fazem um, porque cada um dos dois por um só se faz dois e, como se fosse duplicado, quem tivera uma vida, já terá duas, sobrevindo uma morte! Pois quem uma só vez está morto renasce duas vezes, por uma vida fez-se duas, e por si, sendo um, conseguiu duas vidas para si.”

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