terça-feira, 3 de agosto de 2010

Termo, segundo Jacques Maritain

3. O Conceito

O conceito é o objeto formal da operação da simples apreensão. É a obra produzida pelo espírito dentro de si mesmo, é, portanto, sempre imaterial, abstrato.

No caminho percorrido pelo espírito para produção do conceito objetivo -  da coisa existente no mundo material até a sua essência existente no mundo imaterial - ele passa por uma etapa distinta  e antecedente, que é também chamada de conceito. Daí porque se diz que há dois tipos de conceitos. 

O primeiro tipo, o da primeira etapa, é o conceito mental ou verbo mental, adquirido quando o espírito capta a “imagem” ou a similitude espiritual da coisa, produzida no seu próprio âmbito, com o objetivo de servir de meio pelo qual intelige a coisa. O conceito mental corresponde a uma necessidade do conhecimento intelectual, pois ele leva o objeto inteligível ao último grau de imaterialidade necessário para ser percebido, e corresponde à fecundidade própria da inteligência, pois com ele a inteligência procura manifestar para si mesma aquilo que acabou de apreender.

Esse conceito mental é portador de um objeto: a essência da coisa apresentada sob um aspecto inteligível. Eis aí o segundo tipo de conceito – o conceito objetivo, a essência – que é o quê concebemos da coisa, tornada presente ao nosso espírito. Ele é a própria coisa enquanto cai sob o conhecimento intelectual. 

O conceito objetivo é o que conhecemos; o conceito mental é pelo que conhecemos. Este é algo que pertence ao observador e é utilizado por ele para conhecer o objeto, assim como é a mão, que o observador utiliza para pegar um animal; aquele é algo que pertence ao objeto e é utilizado pelo observador para conhecer o objeto, assim como as patas ou as orelhas, pelas quais o observador agarra o animal.

O conceito objetivo, que é o mesmo objeto formal da simples apreensão (a essência), é o tipo que interessa imediatamente à lógica, quando da realização das “composições”, “divisões” e verificações de conveniência.

Dentro da lógica, o conceito objetivo, por ser abstração feita de uma existência atual, é sempre encarado como uma existência possível. Todo conceito, por exemplo “cegueira”, “número”, “ponto”, “um mundo melhor” ou “homem”, é sempre uma abstração daquilo que existe de fato, e, por isso, pela lógica, é algo existente na esfera do possível.

Interessa à lógica a análise do conceito objetivo, sob o ângulo da sua compreensão e da sua extensão.

A compreensão do conceito objetivo é a totalidade das suas notas constitutivas. São notas de um conceito os elementos que pertencem a ele necessariamente. Por exemplo, do conceito homem se pode perceber as seguintes notas: substância, corpo vivo, dotado de sensibilidade, racional. Tais notas são essenciais ao conceito, pois, se privado de qualquer uma delas, deixa de ser o quê é.

Já a extensão do conceito objetivo é a totalidade de indivíduos e espécies objetos de conceitos universais menores, sobre os quais ele se aplica (convém).

A regra geral referente à compreensão e à extensão do conceito objetivo é fixada da seguinte maneira: a extensão e a compreensão de um conceito estão entre si numa razão inversa. Quanto maior a extensão, menor a compreensão; e quanto maior a compreensão, menor a extensão. Por exemplo, o conceito animal possui uma extensão maior que o conceito homem, pois abarca na sua amplitude uma quantidade maior de indivíduos: todos os indivíduos abarcados pelo conceito homem e, além destes, todos os indivíduos abarcados por outros conceitos universais menores como cachorro e gato; entretanto o conceito animal possui uma compreensão menor que a do conceito homem, pois possue menor quantidade de notas conceituais, por exemplo a nota “racional” que pertence ao conceito homem não se aplica ao conceito animal, entretanto, todas as notas pertencente ao conceito animal se aplica ao conceito homem.

Entende Jacques Maritain que, como um conceito apresenta imediatamente ao espírito uma essência representativa de alguma coisa real, sua característica primordial é a compreensão, sendo a extensão apenas uma propriedade decorrente e pressuposta da compreensão. Assim, a compreensão deve ser entendida num sentido objetivo, pois as notas conceituais constituem a essência do conceito em si mesmo e estão nele contidas radicalmente, não é fruto de uma imposição arbitrária feita pelo observador. Independentmente da variação das nomenclaturas utilizadas, como ocorre por exemplo no uso das várias linguas existentes, as notas conceituais são as mesmas.

Daí porque um conceito objetivo é primeiramente compreendido pela sua definição essencial, e secundariamente pelas notas não-essenciais (acidentais) que decorrem necessariamente das notas essenciais, e a isto se chama definição descritiva.

No que se refere à extensão, comparativamente, chama-se conceito superior o conceito de maior extensão e conceito inferior aquele de menor extensão, por exemplo, animal é um conceito superior em relação a homem, que é um conceito inferior. O conceito superior está para o inferior assim como o todo está para a parte. Os lógicos denominam o conceito superior de todo potencial ou todo lógico, pois nele contém os conceitos inferiores, e denominam os conceitos inferiores de partes subjetivas, pois estes conceitos inferiores são sujeitos dos quais o conceito superior é predicado.

No âmbito da lógica menor, os vários tipos de conceito são divididos segundo tais perpectivas: a) em relação ao ato da simples apreensão; b) segundo a sua compreensão e; c) segundo a sua extensão.

a) Em relação ao ato da simples apreensão, os conceitos podem ser complexos ou incomplexos, uma vez que o conceito objetivo é o objeto formal da simples apreensão. As explicações desta parte são idênticas àquelas referentes ao objeto formal mencionada no tópico da simples apreensão.

Ainda quanto ao ato da simples apreensão, os conceitos podem ser conceptus ulyimatus (conceito da coisa), que se refere à própria coisa, e conceptus non ultimatus (conceito do sinal), que se refere à palavra escrita ou falada.

b) Segundo a sua compreensão, os conceitos se dividem em concretos e abstratos. Os conceitos concretos são aqueles que apresentam ao espírito a forma de um sujeito que ela (forma) determina. Apresenta ao espírito o quê é isto ou aquilo. Por exemplo, o conceito homem, cuja forma determina um sujeito. Os conceitos abstratos, ao contrário, apresentam ao espírito uma forma, mas sem o sujeito que ela determina. Apresenta ao espírito pelo que uma coisa é isto ou aquilo. Por exemplo, humanidade. Ambos os tipos são abstratos, porque abstraídos da experiência sensível, mas os segundos são abstratos na segunda potência, porque separam uma forma do sujeito que ela determina.

c) Segundo a sua extensão, os conceitos se dividem em coletivos e divisivos. Coletivos são aqueles que se realizam num grupo de indivíduos tomados coletivamente, por exemplo, o conceito exército e família; divisivos são aqueles que se realizam nos próprios indivíduos tomados cada um em particular, por exemplo, homem e soldado.

e) Ainda segundo a extensão, é possível dividir o conceito, mas enquanto ocupante da função de sujeito numa proposição, por isso agora considerado de modo dinâmico. O termo extensão, neste contexto, significa a abrangência dos indivíduos aos quais o conceito é considerado como comunicável em sua função de sujeito. A referida abrangência poderá abarcar toda a universalidade do conceito, abstraindo deste qualquer consideração dos indivíduos; poderá abarcar parte indeterminada desta universalidade, aí já considerando uma parte dos indivíduos indeterminadamente; ou poderá abarcar parte determinada ou individual da universalidade, aí também incluindo a modalidade individual no seu aspecto determinado. Nesta condição, o conceito-sujeito será singular ou individual, quando se realizar num único indivíduo ou numa parte determinada da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “este homem”, ou ainda “Aristóteles”, ou ainda “estes dois homens”; será comum particular, quando se realizar numa parte indeterminada dos indivíduos componentes da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “alguns homens”, o ainda “alguns filósofos”; e será comum distributivo ou universal, quando se realizar em todos os indivíduos da universalidade abrangida pelo conceito, por exemplo, “todo homem”, ou ainda “todo filósofo”, ou quando se realizar na própria essência do conceito apreendida na simples apreensão, não voltada aos indivíduos no real, por exemplo, nesta frase, “homem é atribuível a vários sujeitos”, ou nesta frase, “o homem é a mais nobres das criaturas”.

As palavras “este”, “algum” e “todo” são utilizadas para marcar em que extensão o conceito-sujeito recebe o predicado: se recebe em toda a sua universalidade, se na parte indeterminada da sua universalidade, ou se na parte individual ou determinada da sua universalidade. A noção de universalidade aqui é sempre com relação aos indivíduos abrangidos, exceto quando apontada para a própria essência do conceito apreendida na simples apreensão, não voltada aos indivíduos no real.

As qualidades singular, particular e distributivo, atribuídas aos conceitos-sujeito, se estendem as proposições na medida em que participam delas embutidas em um destes sujeitos, daí porque as proposições também são chamadas de singulares, particulares e distributivas.

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